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segunda-feira, 25 de abril de 2016

As Clotildes - Por Cinthya Nunes Vieira da Silva(DO BLOGUE LUSO/BRASILEIRO)

CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - AS CLOTILDES








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            Meu avô paterno e eu, muitas décadas atrás, vivíamos tentando capturar uma colmeia de abelhas jataí. Para quem não as conhece, são abelhinhas pequenas, muito dóceis, sem ferrão e produtoras de mel de excelente qualidade. Queríamos que ao menos uma parte da colmeia que já vivia dentro de um buraco que havia numa das paredes externas aceitasse nosso “convite” e fosse morar dentro de uma caixinha especialmente preparada para elas.
            A finalidade da manobra era que elas se instalassem em um local do qual fosse possível, ainda que num futuro não tão próximo, extrairmos uma porção de mel, o que, infelizmente, não conseguíamos fazer lá no local onde estavam. Assim, seguíamos à risca as orientações das pessoas da época: esfregávamos folhas de erva cidreira dentro de alguma caixa de madeira ou mesmo em cabaças e ficávamos esperando que elas se dignassem a fazer as malas, instalando-se lá, seduzidas pelo aroma doce das folhas maceradas.
            Para além das abelhas obviamente não serem trouxas, calculo que não fizemos as coisas corretamente, eis que nunca logramos êxito. O tempo passou, meu avô já se despediu de nós, aquela casa da minha infância nem existe mais, mas, a despeito de tudo isso, nunca deixei de pensar nas abelhas jataí. Tão logo mudei-me para a casa na qual moro atualmente, vi, com alegria, que no pé do ipê que tenho na porta, havia uma colmeia de ditas abelhinhas. Alguns anos depois, contudo, sem que eu possa imaginar a razão, elas abandonaram o lugar e, uma vez mais, eu disse adeus às pequeninas prodígio.
            Há cerca de um mês, no entanto, fui chamada pelo meu marido para ver uma matéria no jornal da manhã, pois ele sabia que seria de meu interesse e, poucas horas depois de assistir a uma reportagem sobre um rapaz que vendia enxames de abelhas jataí, eu estava com o meu devidamente encomendado! E foi assim que, revivendo um sonho de criança, eu recebi, dois dias depois, pelo correio, minhas queridas Clotildes, como as apelidei carinhosamente.
            As instruções eram claras. Eu deveria colocar a caixa de madeira que abriga um enxame com dois anos de formação, diretamente no local definitivo, longe do sol e da chuva diretos. Escolhi um cantinho entre meus vasos, abrigado pelo beiral do telhado e, minutos depois de desembrulhada a caixa e desobstruída a entrada, as primeiras abelhinhas já estavam reconhecendo o lugar, passeando entre as flores que, nesse inverno estranhamente quente, estão abundantes.
            Não sei porque escolhi chama-las de Clotildes, mas foi algo instantâneo e agora já estão “batizadas” e donas do pedaço. Todos os dias quando escurece, as Clotildes vedam a entrada da colmeia com cera, abrindo-a tão logo amanhece. Responsáveis pela polinização das flores, devemos às abelhas muito mais do que o mel, mas também a sobrevivência de várias espécies, pois com a polinização temos os frutos e as sementes. Expulsas da zona rural pelo uso indiscriminado de inseticidas, as abelhas, de um modo geral, tem encontrado refúgio no meio das grandes cidades. 
            Aqui em casa, posso afirmar que são muito mais do que bem-vindas, pois são convidadas de honra. Penso que demorei um pouco mais do que eu previa para atraí-las para mim e é uma imensa pena que meu avô José não esteja aqui para desfrutar comigo esse pequeno prazer, mas é com alegria que as observo, desejosa de que possam estar fazendo seu papel na natureza que insiste em sobreviver em meio ao cinza.
            Não sei se terei coragem, algum dia, delas tirar algum mel, mas toda vez que as observo, sinto cheiro de erva cidreira macerada e no meu coração fica a certeza de que doce é a vida, mesmo que efêmera como o bater de asas de pequenas abelhas...


CINTHYA NUNES VIEIRA DA SILVA - Advogada, mestra em Direito, professora universitária e escritora - São Paulo.  -  cinthyanvs@gmail.com

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