CONHECER
A NOSSA GENTE
Por Humberto Pinho da Silva
Estava num estabelecimento comercial, da Avenida José
Peixinho, em Aveiro, a tomar o cafezinho matinal, quando escutei dois sujeitos:
um, de cabelos brancos e rosto sulcado pela goiva do tempo; outro, ainda jovem,
com pouco mais de vinte anos, de calças de ganga azul, e tsirt da mesma cor,
ostentando frase, em língua desconhecida - para mim.
Gosto de ouvir o povo: as conversas nos transportes
publicos; os motoristas de táxi; os operários; as vendedeiras de feira…Gosto,
porque só, por eles, se pode compreender
a sociedade em que se está inserido.
A mass-media é o reflexo, o espelho da colectividade.
Mas, quantas vezes, não é a voz das elites?…
Quem quer conhecer a verdade, ouça o povo simples: o
pai e a mãe de família.
Dizia o mais idoso para o jovem:
- Ouvi comentarista, na TV, dizer que o acordo da
Europa com o Canadá, é benéfico para nós, já que os canadianos ganham, em
média, o dobro dos portugueses…Lembrei-me de Salazar e dos seus discursos…”
Nesse momento o jovem interrompeu, para recordar os
vencimentos dos gestores.
- “É uma pouca vergonha!” - Continuou o velho. - “
Dizem: se não forem bem pagos, emigram. Pensando assim, os trabalhadores deviam
ganhar bem, para que os melhores não fujam…Chego a pensar, que a elite, que nos
governa, julga: que quem não se expatria, é burro…”
Como o jovem argumentasse que devia haver patriotismo,
o senhor de cabelos brancos, retorquiu:
- “ Isso de patriotismo, só encontro no povo humilde,
agarrado à sua terra e à sua gente. Os outros, só pensam na carreira e no dinheiro.
Sempre foi assim, e assim será. No meu tempo, quando era moço, como tu, havia
muitos que iam a salto para França. Uns, procuravam vida melhor; outros, para
não irem para a guerra. Nunca quis ser desertor… Parecia-me atitude indigna e
vergonhosa. Fui. Alguns ficaram por lá…; outros, vieram doentes e mutilados. A
guerra acabou. Os que cumpriram o dever, nada ganharam; dos que fugiram, houve
quem fosse considerado herói… Ser herói ou traidor, está no tempo em que se
vive. O herói, pode ser traidor, e o traidor herói, depende da época, do lugar
e da sociedade que se insere.”
A conversa estava interessante. Apurei o ouvido, para
melhor entender, já que começaram a falar a meia-voz.
Comentaram as pensões; o aumento dos produtos
agrícolas; o facto do IVA descer para a restauração; o desemprego, que desce,
porque todos os dias se emigra; a necessidade de braços para a lavoura; e
despediram-se, afectuosamente, apertando as mãos com um “ até amanhã”.
E fiquei a pensar;: quem quer conhecer verdadeiramente
a necessidade do povo: seus problemas, suas ambições, tem que viver no meio
dele e escutá-lo
Como se pode conhecer a nossa colectividade, quando se
frequenta restaurantes elegantes; e se convive com gente da elite, que aufere
bons vencimentos e se passa o tempo em bons hotéis, a viajar pelo mundo?
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