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sexta-feira, 30 de dezembro de 2016

Conhecer a nossa gente - Por Humberto Pinho da Silva

CONHECER A NOSSA GENTE



Por Humberto Pinho da Silva



Estava num estabelecimento comercial, da Avenida José Peixinho, em Aveiro, a tomar o cafezinho matinal, quando escutei dois sujeitos: um, de cabelos brancos e rosto sulcado pela goiva do tempo; outro, ainda jovem, com pouco mais de vinte anos, de calças de ganga azul, e tsirt da mesma cor, ostentando frase, em língua desconhecida - para mim.
Gosto de ouvir o povo: as conversas nos transportes publicos; os motoristas de táxi; os operários; as vendedeiras de feira…Gosto, porque só, por eles,  se pode compreender a sociedade em que se está inserido.
A mass-media é o reflexo, o espelho da colectividade. Mas, quantas vezes, não é a voz das elites?…
Quem quer conhecer a verdade, ouça o povo simples: o pai e a mãe de família.
Dizia o mais idoso para o jovem:
- Ouvi comentarista, na TV, dizer que o acordo da Europa com o Canadá, é benéfico para nós, já que os canadianos ganham, em média, o dobro dos portugueses…Lembrei-me de Salazar e dos seus discursos…”
Nesse momento o jovem interrompeu, para recordar os vencimentos dos gestores.
- “É uma pouca vergonha!” - Continuou o velho. - “ Dizem: se não forem bem pagos, emigram. Pensando assim, os trabalhadores deviam ganhar bem, para que os melhores não fujam…Chego a pensar, que a elite, que nos governa, julga: que quem não se expatria, é burro…”
Como o jovem argumentasse que devia haver patriotismo, o senhor de cabelos brancos, retorquiu:
- “ Isso de patriotismo, só encontro no povo humilde, agarrado à sua terra e à sua gente. Os outros, só pensam na carreira e no dinheiro. Sempre foi assim, e assim será. No meu tempo, quando era moço, como tu, havia muitos que iam a salto para França. Uns, procuravam vida melhor; outros, para não irem para a guerra. Nunca quis ser desertor… Parecia-me atitude indigna e vergonhosa. Fui. Alguns ficaram por lá…; outros, vieram doentes e mutilados. A guerra acabou. Os que cumpriram o dever, nada ganharam; dos que fugiram, houve quem fosse considerado herói… Ser herói ou traidor, está no tempo em que se vive. O herói, pode ser traidor, e o traidor herói, depende da época, do lugar e da sociedade que se insere.”
A conversa estava interessante. Apurei o ouvido, para melhor entender, já que começaram a falar a meia-voz.
Comentaram as pensões; o aumento dos produtos agrícolas; o facto do IVA descer para a restauração; o desemprego, que desce, porque todos os dias se emigra; a necessidade de braços para a lavoura; e despediram-se, afectuosamente, apertando as mãos com um “ até amanhã”.
E fiquei a pensar;: quem quer conhecer verdadeiramente a necessidade do povo: seus problemas, suas ambições, tem que viver no meio dele e escutá-lo

Como se pode conhecer a nossa colectividade, quando se frequenta restaurantes elegantes; e se convive com gente da elite, que aufere bons vencimentos e se passa o tempo em bons hotéis, a viajar pelo mundo?

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